No artigo anterior, falamos sobre como fazer um Projeto de Vida e encerramos com a pergunta: um casal deve fazer um único Projeto de Vida, um Projeto que sirva para marido e mulher, ou cada um deverá fazer o próprio, individualmente?
Certamente, o leitor que acompanhou nossos artigos anteriores, em que enfatizamos a importância de dividirmos nossa "pizza" (nossa vida) em fatias iguais, saberá a resposta.
Algumas pessoas vêem o casamento como um processo de fusão. Duas pessoas que se unem, que se fundem uma na outra, de forma a desaparecer o "eu" e daí para a frente só existe o "nós". Neste caso, trata-se de uma mudança profunda, não apenas no nível do comportamento, mas no nível da identidade. Vêem-se como casal, não mais como pessoas, separadas, como se sua auto-imagem também houvesse sofrido uma "mutação". Esquecem-se de como pensavam antes do casamento, que idéias tinham, que objetivos tinham. É como se tudo isso tivesse sido apagado e uma nova visão houvesse sido gravada por cima.
Uma outra forma de pensar o casamento seria compará-lo a um processo de intersecção. Lembre-se de quando estava na escola e a professora de matemática ensinava: o conjunto A tem como elementos as cores vermelho, amarelo e verde e o conjunto B tem como elementos as cores azul, amarelo e branco. Portanto, o conjunto intersecção é formado pela cor amarela (aquela que é comum aos dois conjuntos). E então a professora traçava um círculo em volta de cada conjunto de forma que um círculo entrava dentro do outro, justamente para representar o elemento (a cor amarela) que pertencia aos dois conjuntos ao mesmo tempo.
Um casamento pode ser entendido assim também. Duas pessoas que vão formar uma intersecção entre si (uma área comum, constituída de afinidades, de planos em comum, de coisas que serão compartilhadas) mas que não deixarão de ter intersecções com outras pessoas (afinidades, objetivos, hobbies), quer com amigos, colegas, pessoas com quem compartilhem sonhos, gostos, hábitos, por exemplo, os amigos do futebol, da academia, os amigos do curso de espanhol, do grupo de estudos, os torcedores do seu time favorito, etc.. E é bom que seja assim, pois tais intersecções permitem que cada um tenha novidades para compartilhar com o outro, experiências para serem trocadas, o que enriquece o relacionamento.
A esta imagem da intersecção vamos acrescentar ainda uma outra imagem: a das fatias da pizza. O que acontece com as fatias da pizza depois que uma pessoa se casa?
O ideal seria que cada um continuasse a cuidar das próprias fatias (amigos, lazer, espiritualidade, cidadania, trabalho, etc.) sem se esquecer, é claro, de cuidar da fatia do casamento. Porém lembrando-se que o casamento é uma das fatias - não é a pizza toda.
Todavia, você, leitor, já deve ter observado que existem pessoas que, ao se casarem, mostram-se extremamente vorazes em relação à pizza do companheiro: não se contentam em ser uma fatia na vida do outro, querem a pizza toda. Começam a "invadir" os espaços do outro (as fatias destinadas a amigos, esporte, lazer, família, etc.) e a tomar posse, a reivindicar estes espaços como seus. Chegam a exigir que o outro abandone hábitos, amigos, atividades, reclamando para si a atenção e o tempo que ele lhes destinava. O que é lamentável e destrói o amor. Transforma o amor, o casamento, em prisão. Cada um é condenado a viver para sempre e exclusivamente na presença do outro. Ficam acorrentados um ao outro. Acreditam que após o casamento deverão fazer absolutamente tudo juntos.
Rubem Alves tem uma história muito bonita sobre isso, A Pipa e a Flor. Na história, a pipa se enamora de uma flor e a ela entrega o fio em que está presa. Todos os dias a pipa voa para o alto e volta ao encontro da flor, cheia de novidades. Até o dia em que a flor, sentindo ciúme e inveja da pipa, decide encurtar o fio até prendê-la junto a si. É uma história que fala que o amor se nutre justamente da incerteza, dos espaços do outro que não me pertencem e que me fascinam, que me fazem querer conquistá-los. Pois quando nada mais houver por conquistar, quando não mais houver dúvidas se o outro poderá ou não voltar para casa um dia, acabou-se o amor. Segundo este ponto de vista, portanto, aquela velha idéia de um casal ir morar para sempre numa ilha deserta deve ser o equivalente mais próximo do inferno. Não seria romântico, seria terrível.
Logo, concluímos que uma pessoa, ao se casar, terá um novo papel em sua vida, o papel de esposa (marido), mas deveria continuar exercendo seus outros papéis: o de amiga de sua amiga, vizinha de sua vizinha, prima de sua prima, filha de seus pais, irmã, colega, aluna, professora, torcedora de seu time, esportista, cantora, poetisa, voluntária e etc. Mesmo quando nascerem os filhos, o ideal seria que não ficasse o tempo todo no papel de pai/mãe, até mesmo diante dos filhos. É bom para os filhos que eles percebam que não são donos de todo o tempo dos pais (a pizza toda), que os pais têm suas intersecções com outras pessoas, têm suas atividades e objetivos, e que os filhos não fazem parte de todos os seus momentos (assim como o cônjuge também não faz). O pai ou mãe que age assim fornece ao filho um modelo saudável de como gerenciar a própria vida, de como estabelecer vínculos saudáveis com pessoas, de como pertencer a vários ambientes. É aquele pai (ou mãe) que vai dizer ao filho: "Hoje não posso brincar com você porque vou sair com meus amigos. Mas podemos combinar para amanhã. O que você acha?". Ensinam um amor desapegado, que ama e confia, que permite ao outro ir e vir, que não reivindica espaços que não lhe pertencem. E, o mais importante, ensinam que os filhos não necessitam ter a pizza toda para que se sintam amados.
Portanto, recomenda-se que os casais façam um Projeto para o casamento, tracem planos em conjunto, para o casal, para a família, mas não deixem de ter cada um seu próprio Projeto de Vida, lembrando-se que além de marido/esposa, pai/mãe, cada um continua a ser uma pessoa, com direito a sonhos, objetivos, ideais, PAIXÕES.
No próximo artigo falaremos sobre a bússola interior, algo que nos guia, que nos mostra qual é nosso caminho, o que é bom para nós.
adoro tudo isso que vc escreveu... já decorei de tanto ouvir... até postei essa história de Rubem Alves no meu blog
ResponderExcluirbeijinhos
Aplica-se a ambos os sexos... É recíproco.
ResponderExcluirAssumir compromisso, casar, viver sob mesmo teto? Hu, que coisa difícil!
Contudo... ISTO acontece n’uma boa quando as compatibilidades mais a química sexual agregam-se n’um conjunto tipo intersecção. ISTO É sem anular um ao outro.
No entanto, a maioria das mulheres é grudenta demais. Um compromisso nesse nível é um atestado de óbito social.
Cercear o crescimento emocional, social e profissional do outro é enterrá-lo vivo.
Nesse contexto, aplaudo a opção de cada um sob seu teto, sem bulinar na privacidade do outro, coisa que muitas vezes, nem a própria mãe consegue respeitar.
Não existe autoestima elevada nem sonhos n’um relacionamento onde o direito de ser e crescer no seu mundo são coibidos.
Sei de muitos de ambos os sexos que após relacionamentos invasivos e fardos pesados demais, amam e como amam seu parceiro e até vão ao cartório e firmam compromisso, mas cada um sob seu teto.
Estamos n’um século de evoluções... O amor fica desgastado, murcha e morre quando cerceiam o desenvolvimento pessoal. Acredito que ISTO É a causa de muitos fugirem de pessoas grudentas nos relacionamentos, não querer assumir compromisso com os tais...
Relacionamento amoroso Fusão ou intersecção?
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